Falar sobre coagulação não é tarefa simples. Apesar de todos saberem que o sangue coagula após algum tempo fora do corpo, pouco se sabia ou estudava sobre o assunto. Podemos dizer que somente no século dezenove - Blaineville(1834), e Buchanan(1845) - foram feitos os primeiros experimentos considerados marcantes na área. Ambos os cientistas partiram das perguntas: O que faz o sangue coagular já que dentro das veias e artérias ele tem forma líquida? Por que o sangue torna-se gelatinoso inicialmente e depois solidifica?
Para tentar responder essas perguntas os pesquisadores trituraram tecido de ratos e injetaram dentro da veia de outros ratos vivo o que levou o sangue a coagular completamente dentro dos animais. Este fator inserido nos tecidos foi chamado de Fator Tecidual. Hoje já sabemos que este fator é uma proteína que temos nos tecidos e que serve de gatilho da coagulação (e muito mais).
Depois desta descoberta que parece simples ou óbvia, foram criados dois testes para analisar a coagulação que é usada até os dias de hoje. Os testes (Tempo de tromboplastina ativado e atividade de protrombina) nada mais eram do que uma quase repetição dos estudos de Blaineville.No primeiro, colocavam o plasma (parte líquida do sangue) em contato com extrato de tecido de animal (atividade de protrombina ou TAP), e no segundo com outro agente estimulador da coagulação através da via de contato. A via de contato partiu da observação de que o sangue quando caia em certas superfícies como, por exemplo, o vidro, coagulava rapidamente (Tempo parcial de tromboplastina ativado ou PTTa).
Estes testes passaram a ser utilizados amplamente no pré-operatório de modo a tentar avaliar se o paciente tinha alguma deficiência de coagulação e com isto risco aumentado de ter uma hemorragia. Nos pacientes com risco aumentado de hemorragia, a pesquisa revelou que a falta de determinados fatores (ou ferramentas) no sangue era responsável pela demora da formação do coágulo. Estes fatores foram descobertos no momento em que a partir de exames de TAP ou PTTa alterados obtidos de pacientes os pesquisadores procuraram o componente que estava faltando e designaram de fatores de coagulação (que conforme as ordens de descoberta foram sendo numerados como I, II, III, etc.).
O exemplo de doença gerada pela falta de um destes fatores é a hemofilia, onde a pessoa não produz (ou produzde forma insuficiente) um fator da coagulação específico (na Hemofilia A o Fator VIII e na Hemofilia B o Fator IX) do fator VIII da coagulação. A partir destes achados foi criada uma cascata de eventos que a principio resumiria a coagulação. Assim o médico avaliaria a coagulação com os chamados testes de triagem (o TAP e o PTTa), e se alguma dúvida ocorresse então a dosagem dos fatores da coagulação poderiam ser feita de modo a avaliar todas as fases da coagulação.
No entanto, permanece uma pergunta uma pergunta o que justificaque algumas pessoas tenham coagulação normal em certos momentos e anormal em outros? Afinal, uma pessoa pode ter em algum momento da vida o risco de sangramento aumentado e em outro da vida de desenvolver um trombo (ou coágulo sanguíneo) dentro dos vasos.
Um dos grandes avanços no estudo da coagulação ocorreu com a descoberta de que ao lado dos fatores que permitem a coagulação existem outros que a impedem. Em outras palavras, o sangue está sob constante pressão tanto para coagular quanto para não coagular levando a um equilíbrio. A perda deste equilíbrio pela deficiência de um fator (coagulante ou anticoagulante) é que leva o paciente a ter um risco aumentado de sangrar quando se corta ouproduzir um trombo (que pode ocorrer em veias ou artérias das pernas, pulmão, coração, cérebro ou outros locais). Esta constatação levou a conclusão de que o desequilíbrio pode ser hereditário (herança de família), ou adquirido (caso em que a pessoa com coagulação normal, devido a alguma alteração no corpo passa a ter este desequilíbriode forma temporária ou definitiva).
A partir daí, percebeu-se que o sistema da coagulação conversava diretamente com outros sistemas (de defesa ou imunológico, hormonal, nervoso entre outros). Talvez por isso começassem a surgir certas expressões, tais como (“ele era muito estressado e por isso teve uma trombose no cérebro (derrame)” ou “ele era tão estressado que teve uma trombose no coração (infarto)” , “ela tomou pílula e teve trombose” e assim por diante.
Na verdade, essas observações são parcialmente verdadeiras, uma vez que, sabe-se que a pílula mexe com hormônios da mulher (impedindo-a de engravidar) e também indiretamente na coagulação (já que os sistemas conversam). Contudo, como o corpo humano tenta compensar as deficiências, muitas vezes, um único estímulo não é suficiente para que ocorra trombose. Assim, em geral, para que o trombo ocorra é necessário que vários estímulos ocorram simultaneamente e com isso vençam todas as medidas que o corpo tenha para controlar a coagulação. No que diz respeito a pílula, por exemplo, este único fator em geral não é suficiente para causar trombose, tanto assim que muitas das mulheres que usam anticoncepcional não tiveram e não terão trombose. Porém, se a mulher que tiver usando a pílula tiver fatores adicionais (como obesidade, fumar, diabetes entre outros) pode desenvolver um evento de trombose.
Acho interessante comparar a trombose (ou coágulo fora do lugar) seria interessante pensar numa escada. O trombo só ocorreria se chegássemos ao topo da escada, assim cada degrau que subirmos (fator de risco que adicionarmos) nos aproximamos mais do topo, mas não necessariamente alcançaríamos (isso só ocorrerá em alguns).
Assim, quando pensamos em coagulação, podemos visualizar um relógio antigo com várias engrenagens (cada sistema do corpo seria uma delas), e a medida que alteramos o funcionamento de uma das engrenagens, irá interferir diretamente no funcionamento da segunda e assim por diante.
Esta relação entre os sistemas ao compararmos com um relógio, por exemplo, a engrenagem de segundo sendo o sistema nervoso (quando a pessoa fica estressada faz com que funcione de forma diferente), a de minutos os hormônios (por isso que em momentos de muito estresse mulheres podem apresentar distúrbios hormonais como atrasos menstruais ou cólicas mais intensas), e por fim, a coagulação sendo as horas (estas pacientes podem ter hemorragias maiores durante as menstruações ou aparecimento de tromboses uma vez que o sistema nervoso alterou o funcionamento dos hormônios e este por sua vez alterou o funcionamento da coagulação).
Desta forma, podemos dizer que a nossa coagulação está em constante mudança, seguindo as mudanças diárias que nosso corpo sofre. Isto por um lado pode ser bom, uma vez que, permite que nos adaptemos as situações do dia a dia, mas em alguns casos extremos pode trazer a problemas como aumento do sangramento ou aparecimento de tromboses.




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