11 de dez. de 2011

Perguntas Frequentes 1


O meu marido tem um tromboflebite na perna. Hoje foi medir o INR. O que significa ter INR 1?

No século XVIII, ocorreu o primeiro passo para estudar a coagulação. Este passo foi ver o que fazia o sangue coagular quando nos cortávamos. Pesquisadores pegaram ratos, retiraram o cérebro deles, trituraram e injetaram em outros camundongos saudáveis. Na verdade, o que eles queriam saber era se o tecido humano podia estimular a coagulação. O que aconteceu com os ratos? Bem, em todos o sangue coagulou na veia.

A partir dessa idéia foram criados dois exames da coagulação: O TAP (Tempo de Protrombina Ativado) e o PTT (Tempo Parcial de Tromboplastina). Estes exames consistiam em colocar em um tubo de ensaio, extrato de cérebro (no TAP) e  outros estimulantes da coagulação (no PTT).

Os exames passaram a ser utilizados para várias situações, da seguinte forma: Colocavam o extrato do cérebro em tubo de ensaio junto com o sangue do paciente e viam quanto tempo o sangue demorava para coagular, e, após, pegavam uma nova amostra de extrato do cérebro, em outro tubo de ensaio, e nela misturavam com o sangue de uma pessoa sabidamente com coagulação normal e esperavam coagular. A partir daí era feita uma conta simples:

Tempo que o paciente demorava a coagular dividido pelo Tempo que a pessoa sabidamente normal demorava a coagular.

Assim, se o valor fosse igual a 1, significava que os dois tinham uma coagulação normal. Se o valor fosse abaixo de 1, significava que o sangue coagulava mais rápido (não necessariamente que teria trombose, mas provavelmente sangraria menos, caso se ferisse do que a pessoa que foi usada como padrão normal), e caso fosse acima de 1, era o inverso, significava que coagulava mais lentamente.

O PTT funciona da mesma forma, só que em vez de usar extrato de cérebro utilizava outro reagente.

No momento em que esses exames passaram a ser utilizados em grande escala (inclusive para acompanhar a anticoagulação), começaram a surgir dificuldades. Uma delas foi no TAP,  pois observaram que se a mesma pessoa fizesse o exame em 2 laboratórios diferentes, ao mesmo tempo, poderia ter 2 resultados diferentes. A justificativa foi que o extrato de cérebro (geralmente utilizado de boi vindo de matadores para açougue) era de animais de raças diferentes com características diferentes, ou seja, cada lote de extrato poderia agir de uma forma no sangue do indivíduo. Assim, se eu utilizasse 2 lotes diferentes, teria 2 resultados diferentes.

Então, a OMS - Organização Mundial de Saúde, resolveu criar um lote, o qual chamou de 1 (contendo extrato de cérebro armazenado).  Assim, todos os laboratórios ao produzirem seus lotes devem comprar uma amostra do lote da OMS para comparar a potência entre os lotes (do laboratório e da OMS). Após a comparação o laboratório cria um cálculo para ajuste, seguindo regras específicas. Desta forma, quando o laboratório faz seu TAP ele mostra a relação paciente/controle - logo após alguns mostram o ISI (que na verdade é o ajuste após fazer comparação da potência dos extratos) e por fim, o INR que é esse resultado ajustado, de tal forma que o resultado seja igual em todos os laboratórios onde o paciente faça o exame.

Ou seja, o INR mostra ao médico se o seu sangue está coagulando mais rápido ou devagar em relação ao sangue do laboratório, de forma que possa ser reproduzível se for feito ao mesmo tempo em mais de um laboratório.

Vale lembrar que o INR pode variar durante o dia. Assim, você pode ter resultados diferentes se fizer o exame em um laboratório pela manhã e em outro a tarde.

Não utilize qualquer medicamento sem indicação médica.

 
Gostaria de saber quais os fatores que levam a tromboflebite. Suspeito estar grávida e preciso saber quais os riscos que estou correndo. O que posso fazer se a gravidez for confirmada?

Assim como a trombose venosa, a tromboflebite ocorre quando o sangue coagula formando trombos dentro da veia. Porém, na tromboflebite a veia é periférica, ou seja, de pequeno calibre e longe da circulação central (onde podem ocorrer mais complicações).

No caso de tromboflebites, estas podem ser provocadas por injeções, medicações injetáveis ou outras causas adquiridas. Contudo, como na trombose venosa profunda, pode ocorrer por desequilíbrio da coagulação.

Se a tromboflebite ocorreu pós-injeção ou trauma importante na veia, provavelmente o paciente não precisará fazer uso de medicação para coagulação na gravidez. Porém, se a tromboflebite ocorreu sem razão conhecida, a gestante deve procurar o seu médico para que ele avalie quais fatores de risco associados ela apresenta (por exemplo: obesidade, hipertensão, diabetes, história de trombose na família, entre outras) e peça avaliem se existe ou não trombofilia (ou fatores de risco para trombose). Se o médico notar que a paciente tem fatores de risco suficientes no exame ou na consulta, deverá iniciar uma profilaxia para trombose.

A droga atualmente mais utilizada é a heparina, que apesar do desconforto que pode causar, mostra-se segura para a mãe e por não atravessar a placenta não afeta o bebê. Além disso, se a heparina for utilizada da forma correta, pode reduzir em muito o risco de trombose e embolia pulmonar (trombo no pulmão que pode levar a risco de vida), na mãe, na gravidez ou após, além de diminuir os riscos de perda fetal por trombose na placenta.

Estudos mostraram que a heparina, se suspensa na véspera do parto e reiniciada pouco após, não aumenta o risco de sangramentos durante o parto.

Não utilize qualquer medicamento sem indicação médica.

 
Estou fazendo tratamento para trombose há 1 mês. Posso viajar de avião?

Não existe estudo mostrando realmente quanto tempo o paciente necessita esperar antes de viajar de avião. Por isso, vale a pena consultar o médico.

O que podemos afirmar é que: (1) Se o trombo já tiver desaparecido e o paciente estiver usando anticoagulante da forma correta, com os níveis de anticoagulação corretos, não há problemas -  ainda mais por que atualmente os aviões são bem pressurizados,  reduzindo o risco de eventos hemorrágicos (por ruptura de vasos); (2) Se ainda existir trombo no exame, o médico deve avaliar a anticoagulação, indagar sobre a importância da viagem (para pesar riscos e benefícios) e analisar a localização do trombo antes de emitir sua opinião. Logo, na segunda hipótese, o risco deve ser avaliados caso a caso.

Não utilize qualquer medicamento sem indicação médica.

 
Sou jovem e sofri uma trombose. A ginecologista me receitou uma pílula anticoncepcional e gostaria de saber se esta pode interagir com o varfarin ou cumadin?

Atualmente sabe-se que os inibidores de vitamina K (varfarin e cumadin) sofrem interferência, em graus variados, causada pela maioria dos medicamentos.

Existem medicamentos em que a interferência é tão grande, que na bula o próprio fabricante alerta a respeito da interação, e neste caso, o medicamento deve ser evitado sempre que possível (lembrar que alguns medicamentos são imprescindíveis e não possuem substitutos).

Nos casos em que o fabricante nada menciona na bula, o uso do medicamento pode interferir, porém em menor grau. Assim, basta checar o INR alguns dias após iniciar o uso, e fazer ajuste na dose do anticoagulante para adaptar o uso concomitante (o mesmo deve ocorrer após a interrupção do medicamento).

No caso de uso de anticoncepcional após evento trombótico, vale a pena consultar o médico, já que o tema suscita muitas controvérsias.

Na verdade, o anticoncepcional pode ser usado por diversas razões. Se o uso for terapêutico para tratamento de alguma anomalidade hormonal importante (como hipogonadismo severo, rim policistico, entre outros), o risco e benefício do uso do anticoncepcional deve ser levado em consideração pelo médico. Se médico e paciente, de comum acordo, acharem que os benefícios suplantam os riscos, o medicamento deve ser usado. Neste caso, a preferência deve se dar pela menor dose necessária para obtenção dos efeitos desejados e a anticoagulação deve ser feita de forma bem rigorosa, de modo a evitar ao máximo que o paciente tenha períodos com anticoagulação abaixo dos padrões ideais.

No caso de anticoncepcionais, apenas para prevenção de gravidez, a preferência deve ser dada a outros mecanismos (barreira e DIU entre outros). Se não for possível utilizar outros métodos contraceptivos de forma eficaz, o médico deve ser consultado e em conjunto com o paciente deve discutir riscos e benefícios do uso do anticoncepcional.

Não utilize qualquer medicamento sem indicação médica.

 
Minha mãe tem câncer de ovário e está se submetendo a tratamento quimioterápico. Também foi descoberta a existência de trombose. O que posso fazer para tratar esta trombose?

O tratamento da trombose consiste no uso de medicamentos anticoagulantes. Os medicamentos e período de uso dependem de quão avançada está doença, qual a resposta do câncer ao tratamento, qual a medicação quimioterápica que esta em uso, se há ou não presença de fatores que contra indiquem o uso de anticoagulantes, e por fim, a possibilidade de adquirir os medicamentos.

Atualmente alguns grupos internacionais preconizam o uso domiciliar das heparinas de baixo peso (por sofrerem menos interferência de alimentos e medicamentos), no período da quimioterapia e após o término da quimioterapia a transição para os inibidores de vitamina K (varfarin ou cumadin). Porém, devido ao custo do medicamento, desconforto ou até devido a outras contra indicações para o uso da heparina prolongada, o uso inicial de heparina e transição rápida para inibidor de vitamina K pode ser uma opção viável (mesmo o paciente em uso de quimioterapia). 

Não utilize qualquer medicamento sem indicação médica.

 
Na infância coloquei uma prótese mecânica mitral e desde então tomo o varfarin. Durante estes anos não tive qualquer complicação.  Gostaria de saber se posso engravidar e quais riscos?

Neste caso a gravidez é considerada de maior risco para a mãe, e por isso deve ser muito bem pensada. Caso a decisão seja pela gravidez, alguns cuidados devem ser rigorosamente adotados:

1) Acompanhamento em centro especializado em gravidez de risco;

2) Caso a gravidez seja planejada, ao iniciar a tentativa (no caso da não planejada, assim que suspeitar - mesmo que não tenha sido confirmada), o uso de inibidor de vitamina K (cumadin  ou varfarina) deve ser imediatamente interrompido para tratamento com  heparina de baixo peso, em dose plena anticoagulante;

3) Durante toda a gravidez deve ser ministrada heparina de baixo peso, com acompanhamento médico rigoroso - a heparina não atravessa a barreira placentária, por isso não leva risco ao bebê diretamente;

4) A dose de heparina deve ser reduzida para dose profilática (inferior a terapêutica) 24 horas antes o parto. Logo após o parto, assim que possível, a dose deve ser aumentada para dose anticoagulante plena - isso significa que pode haver um sangramento maior no pós-parto, porém não necessariamente um que leve a risco de vida ou necessidade de transfusão.

Alerta: Em hipótese alguma as condutas acima devem ser tomadas por conta própria, principalmente por que no decorrer da gestação alguns fatores podem se alterar e influenciar o uso do medicamento. Por isso, o médico deverá acompanhar de perto a gestante.

Não utilize qualquer medicamento sem indicação médica.

30 de out. de 2011

O que fazer para facilitar a anticoagulação e diminuir a possibilidade de complicações?


Nesta parte, vamos falar do tratamento com remédios que alteram a atividade dos fatores da coagulação. Atualmente essas drogas são muito usadas em pessoas que tiveram tromboses venosas, embolia pulmonar, arritmias cardíacas que podem levar a formação de trombos no coração, pacientes com doenças em artérias que levam a obstrução das mesmas e diversas outras formas de trombose. Atualmente vários medicamentos estão em desenvolvimento e logo deverão levar a um grande avanço no tratamento domiciliar das tromboses com segurança. Hoje, contudo, poucos medicamentos são amplamente utilizados.

As heparinas (principalmente as chamadas de baixo peso molecular) são amplamente utilizadas com boa margem de segurança (ou seja, com baixo risco de complicações com o seu uso se comparados aos benefícios que elas podem proporcionar). Por isso, esse medicamento tem sido utilizado inclusive para tratar pacientes com trombose em casa, sem necessidade de interná-los com esta finalidade.

No entanto, nem todo paciente pode ser tratado desde o inicio da trombose em casa. Existe um grupo de pacientes que deverá internar (não para aumentar a eficácia do tratamento, mas para ser monitorado de forma contínua) devido a um risco maior de complicação da própria trombose ou da anticoagulação. Por isso, não existe como prever quem terá de ser internado ou não, questão que só poderá ser definida pelo médico ao avaliar o paciente.

Ocorre que, se por um lado a heparina é uma boa droga para o tratamento da trombose, por outro lado, apresenta problemas tais como o meio de aplicação. É que ainda não existe no mercado uma heparina que possa ser dada como comprimido, pois as formulações atuais exigem que sejam ministradas em injeções subcutâneas (debaixo da pele) com agulha pequena e fina (assim como a da insulina). Isso exige que o paciente aprenda a se auto aplicar (ou peça para que alguém faça a aplicação), fato que costuma causar desconforto durante a aplicação.

Além disso, no local da aplicação pode aparecer um hematoma, que surge em caso de rompimento de um pequeno vaso. Nessa situação, o medicamento fará que o sangramento deste vaso rompido dure mais tempo e por isso apareça um hematoma. Os hematomas cutâneos não costumam gerar problemas sérios de saúde, porém poderão incomodar esteticamente ou até fazer com que o local fique dolorido.

O desconforto causado pelas contínuas aplicações (meses ou até anos), muitas vezes faz com que o paciente desista do tratamento e é a principal causa de reaparecimento de novas tromboses ou complicações da mesma. Atualmente, os medicamentos mais utilizados no tratamento da trombose e que causam menos desconforto são os inibidores de vitamina K (cumadin e varfarina são amplamente utilizados). Esses medicamentos inibem o aproveitamento da vitamina K pelo fígado para que sejam produzidos vários dos fatores da coagulação. Com isso, o sangue tem mais dificuldade de coagular e formar trombos.

No entanto, se por um lado esses medicamentos tem a vantagem de serem comprimidos, por outro lado tem a desvantagem da dificuldade de controle, já que podem sofrer influencia de diversos fatores, tais como:

1) Quantidade de vitamina K que ingerimos – se ingerimos mais vitamina K precisamos de maior quantidade do medicamento para inibi-la, se ingerimos alimentos com menor quantidade de vitamina K, precisamos de menor quantidade de medicamento para inibi-la. Essa questão é importante, por que se ingerimos alimentos com quantidades variadas de vitamina K nos diferentes dias, a dose prescrita pode ser superior a necessária, caso em que a dificuldade de coagulação do sangue pode aumentar o risco de sangramentos ou a dose prescrita pode ser inferior a necessária, caso em que o medicamento não conseguirá agir de forma eficaz e o paciente pode desenvolver um novo evento de trombose.

Daí a importância de manter a mesma quantidade de vitamina K todo dia. Os alimentos que contém pouca vitamina k são livres na dieta, já os demais devem ser controlados no seguinte padrão: Se durante o dia você comer mais alimentos com grande quantidade da vitamina K, a noite coma apenas aqueles que tem menor quantidade (e vice-versa). Se você alimentar-se com aqueles que têm moderada quantidade da vitamina K, pode comer de manhã e de noite.

Não há necessidade de pesar ou calcular, basta seguir o bom senso e fazer de forma aproximada. Assim, se você come a mesma quantidade de alimentos com vitamina K, terá um comportamento mais homogêneo da anticoagulação, com menos riscos de sangramentos ou de novas tromboses, facilitando o ajuste da dose do medicamento pelo médico. É importante que você não deixe de ingerir alimentos com vitamina K todo dia. Veja abaixo uma tabela com alimentos e sua quantidade de vitamina K.


Alguns alimentos ou medicamentos naturais podem interferir muito na anticoagulação, tais como o alho, que só deve ser utilizado em quantidade para tempero (não usar muito), pois aumenta o efeito do anticoagulante.

Os chamados medicamentos naturais (incluindo chás) também podem alterar a coagulação (entre eles o Gincobiloba, a Geiko entre outros) e causar sangramentos. Por isso antes de fazer uso de um medicamento natural converse com seu médico (por mais inocente que o produto possa parecer).

Outras dicas importantes para quem faz uso de anticoagulantes:

1) Tome o medicamento na dose que o médico orientar, não faça ajustes por conta própria (se necessário consulte o seu médico).
 
2) Tome o seu remédio todo dia preferencialmente no mesmo horário.
 
3) Não faça uso de AAS (aspirina), Sonrisal, aqueles medicamentos que são descritos como contra indicados no caso de suspeita de dengue ou anti-inflamatórios, a menos que o seu médico saiba e o oriente a fazê-lo. O somatório da ação destes medicamentos com o anticoagulante pode aumentar o risco de ocorrer um sangramento.
 
4) Sempre que for iniciar um medicamento novo, converse com o seu médico sobre a possibilidade dele interferir com a coagulação.

5) Esteja ciente de que todos os medicamentos (mesmo aqueles que não tem descrição em bula de interferência com os inibidores de vitamina k) podem interferir de alguma forma com a anticoagulação. Assim, é aconselhável que ao iniciar ou interromper um medicamento novo (de uso contínuo), seja feita uma medição da anticoagulação para verificar se houve ou não alteração. O exame de sangue utilizado para avaliar o efeito do anticoagulante (inibidor de vitamina k) na coagulação do sangue é o Tempo de Atividade de Protrombina, cujo resultado é expresso no INR.
Medidor de INR

Atualmente, existem pequenos equipamentos portáteis para avaliar o INR em casa (igual ao utilizado para medir a glicose em diabéticos), basta uma gota do sangue que pode ser da ponta do dedo. A vantagem deste equipamento é que o exame pode ser feito a qualquer hora e o resultado é imediato. Esses equipamentos têm se mostrado muito fieis ao resultado. No entanto, devido a falta de concorrência no mercado (em alguns países) o custo do aparelho ainda é elevado.

Conforme mencionamos anteriormente, novos anticoagulantes em comprimido estão sendo desenvolvidos pela indústria farmacêutica, trazendo como principal vantagem a desnecessidade de adaptação da dieta e aumentando o intervalo entre os exames de sangue para avaliar o nível de anticoagulação. No entanto, para que estes medicamentos possam ser amplamente utilizados, devem passar pelo crivo da ANVISA, o que pode levar algum tempo.

22 de set. de 2011

Trombose


Não é possível saber se a trombose era um evento desconhecido ou apenas relegado a uma importância inferior. Isto por que, nenhum registro foi encontrado em escrituras, obras de arte e outros meios, tanto no Egito, Grécia, Pérsia, Roma como em antigas civilizações da América do Sul até o século XIII, data de um manuscrito que contem a descrição de um normando chamado Raoul Who, de 20 anos, que apresentou a perna inchada, cheia de feridas e curou-se após muita reza e exposição à poeira de túmulo sagrado.
 
Muito tempo se passou até a trombose ser novamente descrita. Somente no século XV, Ugo Benzi de Siena, descreveu a trombose venosa ocorrendo em um paciente de Navarro, chamado Jacobus Manni que já tinha uma doença prolongada acompanhada de febre.

No século XVI, Richard Wisherman identificou em puérperas um quadro de inchaço e alteração na cor das pernas. Porém, como não havia condições de se comprovar o que estava realmente acontecendo, a opinião religiosa predominou.

Assim, até o século XVIII, a trombose na gravidez era associada a tumores malignos nas pernas que determinavam o refluxo do sangue. Porém, grandes cientistas da época também tinham outras teorias menos ortodoxas, que podiam justificar o inchaço das gestantes e puérperas; e entre elas o acúmulo de leite não consumido era uma causa provável. Outro grande médico da época, Ambroise Parré, acreditava que a trombose era conseqüência da retenção de sangue menstrual nas pernas.

Ainda no século XVI, a trombose começou a ser melhor entendida. Em 1628, William Harvey demonstrou pela primeira vez a circulação do sangue (afinal, para se pensar em trombose, era importante imaginar que o sangue circulava pelo corpo).

Entre os séculos XVII e XIX, vários estudiosos substituíram a teoria de retenção, que até o momento era aceita, e criaram a hipótese atual de que a trombose é o entupimento do vaso sanguíneo por coágulos.

No século XIX, a coagulação e a trombose começaram a ser vistas com outros olhos. Neste caso, alguns nomes foram importantes e destes, podemos citar Rokianski (1852) e principalmente Rudolf Virchow (1860) que, de forma independente, apresentaram a famosa tríade, na qual a trombose era relacionada com a redução do fluxo sanguíneo, alteração na veia ou artéria e por fim, a mudança na composição do sangue.

Virchow, um médico alemão, colocando corpos estranhos dentro de veias localizadas nas patas de animais, verificou que, em alguns casos, estes migravam para o pulmão (e sugeriu que coágulos originados de veias de vários lugares no corpo poderiam migrar e entupir artérias do pulmão, o que atualmente chamamos de embolia pulmonar).
 
Assim temos um pouco da história das tromboses. Mas qual é o impacto da trombose no mundo? Na verdade o impacto é enorme, uma vez que, em países onde existe um registro para trombose (Estados Unidos, além de vários países da Europa) verificou-se que a trombose sozinha mata anualmente mais do que câncer de mama, AIDS e acidentes automobilísticos juntos. Um exemplo é os Estado Unidos: Nestes pais, estima-se anualmente, em torno de 97 mil mortes por acidentes automobilísticos, 43000 mortes em estradas, 17 mil mortes por AIDS e 40.000 mortes por câncer de mama (o que juntos somariam 197000 mortes). Por outro lado, só em mortes por embolia pulmonar estima-se ocorrer 200.000, e se associarmos as doenças coronarianas ou infartos (no qual ocorre trombose na coronária), este valor se eleva para 645.000 mortes por ano. Agora, se somarmos todos os eventos trombóticos, suas seqüelas, mortes e custo para os sistemas de saúde, estaremos falando de números enormes.

O grande problema está no fato de que as tromboses ocorrem em todas as especialidades médicas, razão pela qual o problema acaba se diluindo e por isso recebe menos importância do que deveria.

25 de ago. de 2011

Coagulação

Falar sobre coagulação não é tarefa simples. Apesar de todos saberem que o sangue coagula após algum tempo fora do corpo, pouco se sabia ou estudava sobre o assunto. Podemos dizer que somente no século dezenove - Blaineville(1834), e Buchanan(1845) - foram feitos os primeiros experimentos considerados marcantes na área. Ambos os cientistas partiram das perguntas: O que faz o sangue coagular já que dentro das veias e artérias ele tem forma líquida? Por que o sangue torna-se gelatinoso inicialmente e depois solidifica?

Para tentar responder essas perguntas os pesquisadores trituraram tecido de ratos e injetaram dentro da veia de outros ratos vivo o que levou o sangue a coagular completamente dentro dos animais. Este fator inserido nos tecidos foi chamado de Fator Tecidual. Hoje já sabemos que este fator é uma proteína que temos nos tecidos e que serve de gatilho da coagulação (e muito mais).

Depois desta descoberta que parece simples ou óbvia, foram criados dois testes para analisar a coagulação que é usada até os dias de hoje. Os testes (Tempo de tromboplastina ativado e atividade de protrombina) nada mais eram do que uma quase repetição dos estudos de Blaineville.No primeiro, colocavam o plasma (parte líquida do sangue) em contato com extrato de tecido de animal (atividade de protrombina ou TAP), e no segundo com outro agente estimulador da coagulação através da via de contato. A via de contato partiu da observação de que o sangue quando caia em certas superfícies como, por exemplo, o vidro, coagulava rapidamente (Tempo parcial de tromboplastina ativado ou PTTa).

Estes testes passaram a ser utilizados amplamente no pré-operatório de modo a tentar avaliar se o paciente tinha alguma deficiência de coagulação e com isto risco aumentado de ter uma hemorragia. Nos pacientes com risco aumentado de hemorragia, a pesquisa revelou que a falta de determinados fatores (ou ferramentas) no sangue era responsável pela demora da formação do coágulo. Estes fatores foram descobertos no momento em que a partir de exames de TAP ou PTTa alterados obtidos de pacientes os pesquisadores procuraram o componente que estava faltando e designaram de fatores de coagulação (que conforme as ordens de descoberta foram sendo numerados como I, II, III, etc.).

O exemplo de doença gerada pela falta de um destes fatores é a hemofilia, onde a pessoa não produz (ou produzde forma insuficiente) um fator da coagulação específico (na Hemofilia A o Fator VIII e na Hemofilia B o Fator IX) do fator VIII da coagulação. A partir destes achados foi criada uma cascata de eventos que a principio resumiria a coagulação. Assim o médico avaliaria a coagulação com os chamados testes de triagem (o TAP e o PTTa), e se alguma dúvida ocorresse então a dosagem dos fatores da coagulação poderiam ser feita de modo a avaliar todas as fases da coagulação.


No entanto, permanece uma pergunta uma pergunta o que justificaque algumas pessoas tenham coagulação normal em certos momentos e anormal em outros? Afinal, uma pessoa pode ter em algum momento da vida o risco de sangramento aumentado e em outro da vida de desenvolver um trombo (ou coágulo sanguíneo) dentro dos vasos.

Um dos grandes avanços no estudo da coagulação ocorreu com a descoberta de que ao lado dos fatores que permitem a coagulação existem outros que a impedem. Em outras palavras, o sangue está sob constante pressão tanto para coagular quanto para não coagular levando a um equilíbrio. A perda deste equilíbrio pela deficiência de um fator (coagulante ou anticoagulante) é que leva o paciente a ter um risco aumentado de sangrar quando se corta ouproduzir um trombo (que pode ocorrer em veias ou artérias das pernas, pulmão, coração, cérebro ou outros locais). Esta constatação levou a conclusão de que o desequilíbrio pode ser hereditário (herança de família), ou adquirido (caso em que a pessoa com coagulação normal, devido a alguma alteração no corpo passa a ter este desequilíbriode forma temporária ou definitiva).

A partir daí, percebeu-se que o sistema da coagulação conversava diretamente com outros sistemas (de defesa ou imunológico, hormonal, nervoso entre outros). Talvez por isso começassem a surgir certas expressões, tais como (“ele era muito estressado e por isso teve uma trombose no cérebro (derrame)” ou “ele era tão estressado que teve uma trombose no coração (infarto)” , “ela tomou pílula e teve trombose” e assim por diante.

Na verdade, essas observações são parcialmente verdadeiras, uma vez que, sabe-se que a pílula mexe com hormônios da mulher (impedindo-a de engravidar) e também indiretamente na coagulação (já que os sistemas conversam). Contudo, como o corpo humano tenta compensar as deficiências, muitas vezes, um único estímulo não é suficiente para que ocorra trombose. Assim, em geral, para que o trombo ocorra é necessário que vários estímulos ocorram simultaneamente e com isso vençam todas as medidas que o corpo tenha para controlar a coagulação. No que diz respeito a pílula, por exemplo, este único fator em geral não é suficiente para causar trombose, tanto assim que muitas das mulheres que usam anticoncepcional não tiveram e não terão trombose. Porém, se a mulher que tiver usando a pílula tiver fatores adicionais (como obesidade, fumar, diabetes entre outros) pode desenvolver um evento de trombose.

Acho interessante comparar a trombose (ou coágulo fora do lugar) seria interessante pensar numa escada. O trombo só ocorreria se chegássemos ao topo da escada, assim cada degrau que subirmos (fator de risco que adicionarmos) nos aproximamos mais do topo, mas não necessariamente alcançaríamos (isso só ocorrerá em alguns).

Assim, quando pensamos em coagulação, podemos visualizar um relógio antigo com várias engrenagens (cada sistema do corpo seria uma delas), e a medida que alteramos o funcionamento de uma das engrenagens, irá interferir diretamente no funcionamento da segunda e assim por diante.

Esta relação entre os sistemas ao compararmos com um relógio, por exemplo, a engrenagem de segundo sendo o sistema nervoso (quando a pessoa fica estressada faz com que funcione de forma diferente), a de minutos os hormônios (por isso que em momentos de muito estresse mulheres podem apresentar distúrbios hormonais como atrasos menstruais ou cólicas mais intensas), e por fim, a coagulação sendo as horas (estas pacientes podem ter hemorragias maiores durante as menstruações ou aparecimento de tromboses uma vez que o sistema nervoso alterou o funcionamento dos hormônios e este por sua vez alterou o funcionamento da coagulação).

Desta forma, podemos dizer que a nossa coagulação está em constante mudança, seguindo as mudanças diárias que nosso corpo sofre. Isto por um lado pode ser bom, uma vez que, permite que nos adaptemos as situações do dia a dia, mas em alguns casos extremos pode trazer a problemas como aumento do sangramento ou aparecimento de tromboses.